quarta-feira, 7 de maio de 2008

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Heranças d'Maio!


Deixo-vos, agora, com um artigo muito bom de Manuel Deniz Silva, publicado ontem na RevistaVírus:

«Maio de 68 foi há quarenta anos. E a evidência da efeméride, como não podia deixar de ser, tem trazido a sua habitual profusão de eventos: emissões televisivas, debates, livros, colóquios, álbuns, DVDs. E ainda imagens inéditas, o «onde estava em Maio de 68?», as sondagens de opinião, «o que sempre quis saber»... Mas a previsível e cíclica proliferação de discursos e objectos ganhou, neste aniversário, uma importância particular. Como pano de fundo de todos os debates têm estado quase sempre as acusações anti-68 lançadas pelo actual presidente francês no ano passado, em plena da campanha eleitoral. No último meeting antes da primeira volta, Nicolas Sarkozy anunciou aos milhares de apoiantes reunidos no recinto desportivo de Bercy, em Paris, a sua intenção de «liquidar a herança de Maio de 68». Segundo ele, os continuadores da rebelião parisiense tinham «imposto a ideia [de] que não havia nenhuma diferença entre o bem e o mal, nenhuma diferença entre o verdadeiro e o falso, entre o belo e o feio». Teriam mesmo procurado fazer crer «que o aluno era equivalente ao professor (...), que a vítima contava menos que o delinquente», impuseram «o culto do dinheiro rei, do lucro a curto prazo, da especulação». Mais, abriram o caminho «ao capitalismo sem escrúpulos e sem ética». E Sarkozy concluía: «A ideologia de Maio de 68 estará morta no dia em que a sociedade ousar chamar cada um aos seus deveres. A ideologia de Maio de 68 estará morta no dia em que a politica francesa ousar proclamar que na República os deveres são a contrapartida dos direitos. Nesse dia estará, enfim, terminada a grande reforma intelectual e moral de que a França mais uma vez necessita». Afirmações de uma violência surpreendente, que galvanizaram alguns e deram calafrios a muitos outros.
Mas ao que vinha, neste início de século XXI, a evocação pelo candidato da direita de um episódio tão distante, o ressurgir de um passado que parecia esbatido, território reservado aos nostálgicos e ao merchandising? E porque seria Maio de 68, de repente, a origem de todos os males, da ausência de valores, do relativismo cultural e até, pasme-se, das derivas do capitalismo financeiro?! Excessos de retórica para animar um comício? Ou estratégia amadurecida, preparando uma viragem ideológica da direita francesa? Várias interpretações circularam. Para uns, a máscara caíra definitivamente, revelando o autoritarismo do projecto sarkozysta. Para outros, mais cínicos, tudo não passara de uma manobra para ganhar votos. Em eleições que se ganham ao centro, diz a ciência política, as candidaturas de «poder» necessitam, apesar de tudo, de afirmar diferenças. E como os programas económicos e sociais não dão margem para grandes distinções, Sarkozy quis colocar-se, pelo menos ao nível dos símbolos, no campo conservador. A evocação do momento mítico da «desordem» vinha assim assegurar-lhe o voto da extrema-direita. Outros ainda, mais subtis, viram no anátema lançado contra tudo o que veio depois de 68 uma radicalização do seu projecto de «ruptura», a palavra de ordem essencial da sua campanha. Ruptura não contra o anterior governo, no qual participara como ministro, mas contra as últimas quatro décadas da política nacional no seu conjunto, coincidentes com o declínio da França enquanto grande potência. O candidato Sarkozy encontrava assim uma outra grandeza histórica, a do regenerador da nação, aproveitando ao mesmo tempo para cortar o nó górdio da sua contradição fundamental: apresentar-se como renovador sem ter de fazer o balanço dos cinco anos em que participara na governação.
Seja como for, um ano depois, ao aproximar-se o momento comemorativo, a comunicação social voltou a levantar o assunto. O machado de guerra brandido por Sarkozy, agora presidente, vinha dar outro picante a um evento de potencialidades mediáticas extraordinárias, mas que se arriscava a afogar-se no morno consenso das coisas definitivamente enterradas. Grandes títulos nas revistas, dossiers, entrevistas, debates: liquidar Maio de 68, sim ou não? Que fazer das memórias divergentes e contraditórias? Virar a página definitivamente? Reabilitar, refazer Maio de 68? E como reagiam os ex-soixante-huitards às acusações do presidente?
Surpreendentemente, o assunto não tem interessado a opinião pública como se esperava. Antes pelo contrário. Mesmo as utilizações populistas da imagem dos ex-revolucionários confortavelmente instalados na vida, como tentou relatar a revista Paris Match, não conseguiram comover muita gente. Contestado politicamente em todas as frentes, Sarkozy não voltou a falar no assunto e os seus porta-vozes têm tentado atenuar o vigor das afirmações passadas. Num livro saído para a ocasião, Cohn-Bendit, o ícone da rebelião estudantil agora deputado europeu, tentou ele próprio fazer um número de equilibrista em que não renega nada sem assumir coisa nenhuma, para concluir que é tempo de passar a outra coisa. Livro que, não por acaso, se intitula Forget 68 (La Tour d'Aigues: Editions de L'Aube, 2008).
O tema parece pacífico, as crispações apaziguadas. Uma sondagem publicada pelo Nouvel Observateur mostra até que 77% dos franceses consideram que a razão estava do lado dos estudantes e 74% que Maio de 68 teve um impacto positivo (nomeadamente 65% dos que declaram ter votado Sarkozy). Ter-se-á então o novo presidente enganado de estratégia? Não será assim tão simples. Primeiro, porque a mesma sondagem mostra que a visão positiva de Maio de 68 aparentemente generalizada é antes de mais o resultado de uma memória selectiva e anestesiada. À pergunta «o que lhe evoca Maio de 68», 40% responderam «uma revolta estudantil», 30% uma «modernização dos costumes», e apenas 25% uma «greve geral operária». Entre as imagens marcantes de 68, a maioria escolheu as barricadas no Quartier Latin e a ocupação da Sorbonne, deixando para os últimos lugares a manifestação de apoio a De Gaulle nos Campos Elísios e a ocupação das fábricas da Renault em Boulogne-Billancourt. A «consequência mais positiva» da revolta, para os inquiridos, teria sido a evolução da relação entre homens e mulheres e os slogans considerados mais marcantes são os que se relacionam com as liberdades («é proibido proibir»), muito mais dos que os políticos ou utópicos (como «a imaginação ao poder»). Consenso mole e difuso, despolitizado. Visão benevolente de um evento esteticamente apelativo que aparece antes de mais como a cristalização de um processo de modernização da sociedade, que provavelmente até se teria realizado sem ele. Aliás, apenas 18% dos inquiridos acham que o balanço de Maio de 68 foi «muito positivo».
Qualquer que seja o crédito que se possa atribuir a este tipo de sondagem, os resultados dão que pensar. Primeiro, mostram que as posições hiperbólicas de Sarkozy em campanha não foram de facto muito mais do que gesticulações de propaganda. O voto maioritário jogou-se noutros terrenos. O «espantalho» de Maio de 68 serviu sobretudo de argumento suplementar, que se veio juntar ao discurso securitário e xenófobo do candidato, para roubar votos à extrema-direita e reforçar o eleitorado com mais de 50 anos (na sondagem mais de metade dos inquiridos dessa faixa etária consideraram Maio de 68 como um «acontecimento negativo»). Lógica aliás confirmada pelo resultado das urnas. Depois, mostram que a referência a 68 por parte da direita liberal (em França como em Portugal, diga-se de passagem) é sobretudo operativa no campo do discurso sobre o estado laico e a autoridade, e em particular no debate sobre a educação: 40% dos inquiridos consideram que Maio de 68 teve uma «influência negativa» na relação professor-aluno e no lugar da religião na sociedade. E é sobretudo nesse terreno que se concentra a ofensiva da ideologia conservadora, apoiada na vaga culpabilidade social de um lado obscuro e ameaçador das rupturas que foram individualmente vividas como positivas, na generalização da ideia de que as liberdades conquistadas para si próprio, e egoistamente defendidas, não são correctamente utilizadas pelos «outros» (e em particular as classes desfavorecidas e os imigrantes), pondo mesmo em risco a estabilidade do corpo social (aqui marcado pela suposta deriva da escola e pela diminuição do peso da religião).
Os resultados da sondagem do Nouvel Observateur podem ser vistos assim como sintoma de dois processos convergentes. Por um lado a transformação progressiva de Maio de 68 em mito icónico, de imagens telegénicas de barricadas e de simpática confusão intelectual e social. Os operários saíram a pouco e pouco do enquadramento das fotografias. Por outro, a redução progressiva de Maio de 68 a uma transformação inelutável dos costumes, que simultaneamente legitima o processo de individualização consumista e dá um nome à sua má consciência.
Nicolas Sarkozy é aliás, de certa forma, a encarnação desse processo. Como sugere ironicamente Daniel Cohn-Bendit no seu livro, o actual chefe de Estado francês é o primeiro a ser verdadeiramente fiel ao espírito do Maio de 68, ou pelo menos a um dos seus slogans mais conhecidos: «Viver sem tempos mortos, gozar a vida sem entraves». A primeira coisa que fez o recém-eleito presidente, aquele mesmo que dias antes verberava o «culto do dinheiro-rei», foi comemorar a vitória num dos restaurantes mais caros dos Campos Elíseos e passear-se pelo Mediterrâneo no iate de um dos homens mais ricos de França. As atribulações amorosas que se seguiram e o gosto imoderado pelos sinais de luxo que lhe deram a alcunha de «presidente bling-bling» vieram confirmar o hedonismo do líder da direita francesa. Não é apenas um paradoxo. É antes de mais a confirmação de que a pulsão narcísica e a angústia face aos «outros» (sejam eles os «pobres» ou os «estrangeiros»), são as duas faces de uma mesma política. A vertiginosa quebra de popularidade de Sarkozy, entre Dezembro e Janeiro passados, teve muito que ver com essa despudorada afirmação do bem-estar individual do presidente, feita de relógios Rolex, óculos Ray-ban e aviões a jacto. Muitos comentadores assinalaram o contraste entre esse Sarkozy people e o presidente que reconheceu que os cofres do Estado estão vazios, e que não há nada a fazer contra a diminuição do poder de compra da população em geral.
Mas este impacto não é apenas conjuntural, como muitos parecem pensar. A frustração profunda provocada por Sarkozy vem da violência com que este afirma o primado liberal do prazer, de uma certa forma de «gozar a vida» que não tem muito que ver com o hedonismo utópico de 68. É a arrogância da ética do sucesso que invade a própria representação política, estalando com o anterior verniz da seriedade do poder sacralizado, respeitada de formas diferentes por De Gaulle, Pompidou, Giscard, Mitterrand e até, a seu modo, por Chirac. Sarkozy pensou que já não precisava dos antiquados rituais e que podia afirmar a sua satisfação pessoal na própria encenação do poder, mostrando assim a forma como subjectivamente divide a sociedade entre os que podem e os que não podem (ou não conseguem) «gozar a vida». E o inesgotável anedotário que foi surgindo nos últimos meses em torno dos complexos de um presidente baixinho obcecado em seduzir top-models, não deixa de ser um espelho da popularização das figuras dessa frustração. Se nos referirmos às leituras em voga por alturas de Maio de 68, não podemos deixar de pensar em Wilhelm Reich, que sabia bem que este tipo de frustrações não anuncia necessariamente viragens à esquerda, como apressadamente concluíram os líderes socialistas franceses. Como o prova a subida surpreendente da popularidade do primeiro-ministro François Fillon, até aí praticamente inexistente, imperceptível na sombra do agitado hiper-presidente. Personagem cinzenta e apagada, mas calma e rigorosa, uma espécie de antídoto conservador à agitação presidencial.
Nesse aspecto, Alain Badiou enuncia no seu livro De quoi Sarkozy est-il le nom (Paris: Lignes, 2007) um aspecto essencial para a compreensão da desorientação actual da esquerda. Se o candidato da direita representa um certo tipo de medo que atravessa a sociedade francesa (medo do estrangeiro, das classes populares, do declínio do país), o Partido Socialista apenas conseguiu incarnar o medo inspirado por Sarkozy, ou seja o «medo do medo». O medo e a desorientação a que Sarkozy dá um «nome» têm, para Badiou, uma história e um momento de fixação: o petainismo. Não se trata de pôr em pé de igualdade a França de 1940 e a de 2007, como não deixaram de o acusar os seus detractores, mas de encontrar, para lá da superfície das diferenças, uma mesma forma estatizada e catastrófica da «desorientação» nacional, aquilo a que Badiou chama um «transcendental» da política francesa: a capacidade de esconder sobre o manto da regeneração nacional a capitulação mais ignóbil, seja ao ocupante, seja ao capitalismo mundializado. Face à desorientação, Badiou propõe como antídoto a coragem. A coragem de afirmar uma posição fundamental, um ponto definido (por exemplo que «todo o trabalhador deve ser considerado de forma igualitária independentemente da sua origem»), e de o manter custe o que custar. Um ponto que seja exterior à temporalidade proposta pelo Estado. Foi o que fez a Resistência, e foi o se que fez em Maio de 68, com a proposta de uma aliança de tipo novo entre os jovens intelectuais e os trabalhadores. E é exactamente por isso que Sarkozy quer liquidar a sua «herança», não porque ela exista em alguma forma definida hoje, mas porque 68 é o espectro que o assombra. O que pretende Sarkozy, diz-nos Badiou, é «extirpar a própria possibilidade de pensar que esse género de obstinação a manter um ponto real seja possível», que «seja publicamente e unanimemente reconhecida a desaparição do espectro». Porque Maio de 68, em toda a sua diversidade, foi a manifestação mais recente em França do que Badiou nomeia de «hipótese comunista», a possibilidade de pensar a passagem «para lá do capitalismo, da propriedade privada, da circulação financeira, do Estado despótico e por aí diante». Não satisfeitos com a vitória sobre o «comunismo real», é a sua própria existência enquanto «hipótese» que os reaccionários modernos pretendem suprimir.
A questão fundamental para Sarkozy, portanto, não está tanto na necessidade de uma condenação dos acontecimentos de Maio, em saber quem tinha ou não tinha razão. Está em retirar ao acontecimento a sua própria substância subversiva. E é o que a transformação icónica e a redução apolítica de Maio de 68 têm vindo a fazer.
A herança de que precisamos hoje, não nostálgica, dispensa por isso o aparato mediático. Porque é bem mais frágil e escondida. Está viva em transmissões diversas e pouco espectaculares, como as que Jean Birnbaum identificou no seu livro Leur jeunesse et la nôtre, l'espérance révolutionnaire au fil des générations (Paris: Stock, 2005). Para lá dos mitos e dos dilemas de uma geração militante que teve muitas dificuldades em digerir as suas derrotas, foi a «hipótese» de que fala Badiou que foi passando de forma irregular e difusa em fragmentos de afectos, de memórias, de leituras, de experiências. Legado empírico, mais do que teórico, de maneiras de fazer política, de construir colectivamente os tempos e os espaços em que se concretizam as lutas. Uma ideia de Michel de Certeau, enunciada pouco depois dos acontecimentos de Maio, ficou célebre: os franceses tinham tomado a palavra em 68 como dois séculos antes tinham tomado a Bastilha. Como no pós-25 de Abril, foi a descoberta de uma liberdade intensa no uso da palavra por parte daqueles que se encontravam normalmente privados de discurso, não só pelo poder mas também pelas burocracias partidárias e sindicais. Se alguma herança existe, será antes de mais essa. A da possibilidade efectiva de uma inversão súbita e radical das hierarquias dos discursos e da ruidosa erupção da voz daqueles que não é suposto participarem na discussão da coisa pública. Essa herança não é do tipo das que pedem uma comemoração, mas uma verificação. Ela ainda anda por aí, subterrânea, em mobilizações alter-mundialistas, em lutas de desempregados e precários, em colectivos que lutam contra a expulsão dos sem-papéis, em revoltas estudantis como a do CPE. E em todas as dobras da sociedade onde se vai refugiando o espectro que continua a assombrar as nossas democracias consensuais. »

Saudações Pickleanas!

P.S - Podem encontrar o citado artigo em: http://www.esquerda.net/index.php?option=com_content&task=view&id=6700&Itemid=1

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Abril é Hoje.

Abril não foi ontem. Abril não é amanhã. Abril é hoje. O futuro é hoje. E, como tal, concentremo-nos no presente e não no futuro, como muitos cartazes das mais diversas campanhas eleitorais focam. Danificar uma democracia so-called 'plural' é deixar uma herança insuportável para os herdeiros das coroas autárquicas. Tal herança seria seguida por semelhantes acções. E por aí fora.
Se Abril é hoje, ajamos como se fosse agora.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Cá tamos

Ora, ora! Pensavam que se livravam de nós tão facilmente?! Antes fosse, caraças! A bida é difícil, mas cá tamos para a contornar! Já o mesmo não se pode dizer do acordo ortográfico que nos foi recentemente imposto! É a maior das estupidezes destruir a riqueza cultural contida em centenas de anos de evolução, em que os falantes tiveram o maior dos papéis! Oh! A nossa língua portuguesa! A língua exportada para tantos países vê-se agora a ser vendida ao capital, a ser etiquetada como um qualquer produto de supermercado? Pediram-nos opinião? O povo já não é quem mais ordena! E no próximo dia 25 de Abril comemoraremos a hipocrisia de que são feitos os que mandam por nós!
Mas, cá tamos...e não dormimos.